Mieceslau Kudlavicz
Agente da Comissão Pastoral da Terra
A minha relação de amor com os camponeses e com a CPT tem a ver com a minha origem. Minha família é de camponeses descendentes de poloneses e são católicos praticantes. Não perdiam uma missa dominical. Mesmo tendo que, muitas vezes, andar a pé 10 quilômetros para chegar à Igreja.
É neste ambiente religioso que fui criado e, tenho um compromisso que assumi com meus pais após minha ordenação sacerdotal, quando decidi, em 1974, exercer meu ministério sacerdotal em Rondonópolis no MT. Essa decisão deixou meus pais muito tristes porque eu iria ficar a 1.600 quilômetros longe deles. E o meu compromisso com eles foi - eu ficaria longe fisicamente, mas dedicaria toda a minha vida na defesa dos camponeses e por isso meus pais estariam sempre presentes no meu trabalho.
A partir daí, minha relação com a CPT se dá com a sua criação no MT, em 1976, quando meu irmão era o coordenador e foi como consequência deste meu compromisso com meus pais. Nossa atuação se dava no apoio, acompanhamento, defesa dos posseiros e denúncia dos despejos. Inclusive na época criamos o Boletim Aroeira, como um instrumento para denunciar os despejos, e as grilagens de terra que se avolumavam na década de 1970.
Em 1985, deixei de exercer o ministério sacerdotal e vim a três lagoas para participar como agente da CPT. Participei das mobilizações na organização dos sem terra na região do bolsão e na assessoria a fundação dos STR. Além de assessorar o movimento dos atingidos pela barragem de Porto Primavera, atual Sérgio Mota, na conquista dos reassentamentos de agricultores, oleiros, pescadores e assalariados, atingidos pela barragem. E a partir do ano 2000, uma retomada da organização dos sem terra na conquista de 5 assentamentos entre os municípios de Três Lagoas e Selvíria.
Após a constituição dos assentamentos iniciamos um trabalho de organização da produção no sistema agroecológico (cursos, oficinas), posteriormente, esta atividade é realizada em parceria com a universidade federal. E nos 4 últimos anos me dedico mais a atividade de recuperação, preservação, multiplicação e troca das sementes Crioulas.
Enfim, o sangue camponês corre nas minhas veias. Não apoio tão somente a luta dos camponeses. Mas tento exercer algumas atividades de lavrar a terra porque também sou camponês. Tenho quintal urbano, de 12 por 50 metros, totalizando 600 metros quadrados. Destino, mais ou menos 12x20 para plantas frutíferas. Duas variedades de manga, graviola, umbu, tamarindo, caju, gueiroba, abacaxi, pinha, maracujá, jaboticaba, limão rosa, beribá. Na parte restante, no período de setembro/outubro até março cultivo milho (4 variedades), algumas covas de pipoca, feijão de corda (5 variedades), abóbora, amendoim (3 variedades), feijão guandu, arroz (para reprodução das sementes), inhame e alguns pés de mandioca. De abril a setembro, que é o período da seca, e depende de muita irrigação, cultivo verduras (2 variedades de alface), salsinha, coentro, couve, cenoura, feijão de arranca (3 variedades) mais para reprodução das sementes, cebolinha bananinha e cigarrinha, batatinha (testando viabilidade) e abóbora (várias variedades). Cultivo este quintal há mais de 15 anos. No início, não produzia nem mandioca. Aos poucos, fui incorporando matéria orgânica da planta. Folhas de outras plantas do quintal. Cultivando feijão de porco, mucuna para aumentar matéria orgânica e incorporar mais nitrogênio no solo. E na medida do possível nas verduras acrescento húmus de minhoca.
Hoje consigo ter uma boa produção. Mas faço este trabalho porque meu sangue é camponês. Não consigo viver sem plantar sem me relacionar com a terra. Tenho um imenso prazer em acompanhar o desenvolvimento das plantas até a colheita, momento que sempre é de grande satisfação. O contato com a natureza, com as plantas, vendo o cantar alegre dos passarinhos no pomar me revigora interiormente. Me dedico a estas atividades sem pretensão nenhuma de renda. Faço porque minha paixão pelas plantas e pelas sementes Crioulas é enorme. Ao mesmo tempo que preservo na memória meus tempos de jovem das décadas de 1960/1970 quando trabalhava no sítio com meus pais, sem precisar comprar sementes para plantar. E foi com produtos da roça, com sacos de feijão, de milho, de arroz, de trigo, de batatinha, que meu pai pagou meus estudos, desde o primário, em escola particular religiosa.
Importante também ressaltar, que além desta satisfação pessoal pelo lavrar a terra, demonstro que é possível produzir muita comida para o consumo próprio, doar para conhecidos e multiplicar e preservar muitas variedades de sementes Crioulas em pequenos espaços urbanos e não somente em áreas rurais.
Hoje posso me considerar um agricultor urbano.